sábado, 25 de junho de 2011

O MITO DO ANDRÓGINO (um resumo)





Do Mito da Caverna, do Banquete de Platão, o Mito do Andrógino nos coloca que a humanidade era formada por homens, mulheres e os andróginos.
O andrógino seria um ser redondo, metade homem, a outra metade, mulher. Eram seres completos, felizes e tornaram-se auto-suficientes, se imaginavam similares aos deuses do Olimpo. Claro, os deuses não gostaram, ou talvez, os andróginos fossem tão felizes, que provocaram a ira e a inveja dos deuses, o certo é que Zeus resolveu cortá-los ao meio. Desde este dia, as duas metades se procuram para que, através de um abraço, num encontro amoroso, sintam a plenitude que conheciam.

Este mito aponta também para o caminho que Jung chamou de individuação, quando cada ser encontra sua contra-parte interna, realizando o encontro dos opostos, produzindo desta forma, a totalidade.

Podemos encontrar externamente seres que nos completam e nossa felicidade maior é quando encontramos no Outro, a expressão da nossa contra-parte interna.

Sendo assim, segundo Jung, a contra-parte do homem, sua mulher interna, chamou de ANIMA e à contra-parte interna da mulher, ele chamou de ÂNIMUS.

Desde que Zeus produziu esta separação e Apolo arranjou cada parte e os órgãos genitais foram expostos à frente do corpo, para facilitar o encontro sexual, a humanidade inteira busca a sua contra-parte no Outro e a este anseio, que jamais poderá ser inteiramente satisfeito, chamamos de AMOR.


sábado, 4 de junho de 2011

Na Cama com um Fantasma

Quase quarenta anos como psicanalista e “nada do que é humano me é estranho”. Como? Alguém já disse isto? Calma! Não posso fazer um empréstimo? Se antes era esquisito, hoje sou o primo do ET. Minha mulher me largou há cinco anos. Claro, não me aguentou.
Final de sexta-feira, doido por uma cervejinha gelada, entra em meu consultório uma quarentona, baixinha, gordinha, solteira, parecendo uma ex-hippie.
-Tudo bem?
-Preciso de sua ajuda, doutor. Estou apaixonada por um...homem.
-E então? É casado? Gay?
Ela é funcionária pública, desabitada, fumou muito “baseado”.
-Mas só “baseado”, doutor. Andava muito só, doutor. Sem amigos, sem família...pensei: quem sabe consigo conversar com os mortos.
Montei o circo: vela, incenso, toalha branca ...
-E daí?
-Nada. Parei de fumar maconha. Talvez as entidades não suportem ilegalidades.
-E?
-Mesmo sem aparecer ninguém, comecei a curtir aquele ritual. Até que um dia...
Que agonia, my God!
-Um dia, doutor, entra um ser baixo, gordo, os cabelos, puro desalinho. Conheço este olhar que me mete medo.
Comecei a acompanhar o caso porque achava divertido e confesso, estava curioso.
-O fantasma, doutor, ficou sentado e calado. Contou que é alemão.
Não me pergunte como, cara, mas eles se entendem. Todos os dias ele aparece à mesma hora, no mesmo “bat lugar”.
-Doutor, quando viu meu velho piano de família, ficou emocionado. Tocou. Tocou-me. Tocou a toda vizinhança!
São íntimos, rapaz.
-Um dia insisti tanto que revelou sua identidade. É por isso que estou aqui, doutor. Coitado! Pensa que é Beethoven.
Imagine a encrenca. A princípio, penso que ela, Mariana é a paciente. Virei psiquiatra de fantasma, além de tudo psicótico: pensa que é Beethoven. E o que é pior: ele me convenceu. Só pode ser Beethoven o tal de fantasma e eu, um psiquiatra doido. Acredite, ela me convenceu. Fui a casa dela para tratar a alma sofredora. Não sendo médium, não o vejo, não o escuto, mas juro, cara, vejo as teclas do piano tocando sozinhas e fico arrepiado de medo. E a beleza da música me surpreende.
A surdez de Beethoven? Essa foi sua redenção – após a morte, voltou a ouvir.
Apaixonadíssimos, Mariana e o Fantasma, aqui, já com F maiúsculo. Ele quer tocar Mariana e me torno veículo e o incorporo e por ele, faço amor com Mariana. Logo eu, incrédulo em outra vida, morrendo de medo, recebo o Beethoven. Tudo pelo paciente.
Ele é um romântico, pura libido. Fazemos, assim, amor a três. Que cumplicidade!
A partir de então, nunca mais me preocupei com rótulos, definições, limites, tudo o que aprendi, inclusive a ética que mandei “pras cucuias” e só penso em viver. Sou bissexual, psicótico? Talvez. Dane-se. Casei com Mariana.
Se pensar muito, assino minha própria guia de internação. Até aqui, fui pura racionalidade. Hoje sou só ensaio.
Há pouco, tirava gente da loucura, esvaziando-as de seus sonhos e potências.
Somos paixão: Mariana, eu e Beethoven. A vida conspira a nosso favor. Casamos. Mariana nunca foi tão sedutora e mulher, conforme ela mesma relata. Um garanhão nasceu em mim, quando achava que a impotência me arruinara. Fantástico Fantasma, Beethoven, dele nunca tento subtrair essa massa informe de sentimentos cristalizados e caóticos, mola propulsora de toda criação. Continua imenso na música. Você acha que vou tentar apaziguá-lo? Como comporia a Nona Sinfonia sem este amor sem fronteiras?
Sintonizamos Beethoven com a atualidade. Na dimensão em que vive, não é fácil metabolizar o binômio cruel que a morte nos tira, espaço-tempo.
Quando triste, sua música nos sensibiliza. Nos momentos de maior contato e ternura, explodimos os três num êxtase desumano.
Somos felizes na cama com Beethoven!

sexta-feira, 3 de junho de 2011

A MULHER E SEU PASSADO

A mulher e seu passado - Rubem Braga
Ela conta a história de uma freira que a atormentava no internato, em seu tempo de menina; de um homem que a fez viver longamente entre o desespero e o tédio, a revolta e a humilhação. E fica meio magoada porque a tudo eu sorrio, porque eu não pareço participar do sentimento com que ela fala contra essa gente que passou. Afinal ela também sorri: “Você é meu amigo ou amigo da onça?”

Sou seu amigo. Mas rico ri à toa, eu me sinto vertiginosamente rico porque essas histórias, alegres ou tristes, ela me conta de mãos dadas, junto de mim. Digo-lhe isso; mas não lhe confesso que aprovo e abençôo todas as coisas e pessoas que povoaram seu passado, e tenho vontade de dizer:

“Benditos teu pai e tua mãe; benditos os que te amaram e os que te maltrataram; bendito o artista que te adorou e te possuiu, e o pintor que te pintou nua, e o bêbado de rua que te assustou; e o mendigo que disse uma palavra obscena; bendita a amiga que te salvou e bendita a amiga que te traiu; e o amigo de teu pai que te fitava com concupiscência quando ainda eras menina; e a corrente do mar que te ia arrastando; e o cão que uivava a noite inteira e não te deixou dormir; e o pássaro que amanheceu cantando em tua janela; e a insensata atriz inglesa que de repente te beijou na boca; e o desconhecido que passou em um trem e te acenou adeus; e teu medo e teu remorso a primeira vez que traíste alguém; e a volúpia com que o fizeste; e a firme determinação, e o cinismo tranqüilo, e o tédio; a e a mulher anônima que vociferou insultos pelo telefone; e a conquista de ti por ti mesma, para ti mesma; e os intrigantes do bairro que tentaram te envolver em suas teias escuras; e a porta que se abriu de repente sobre o mar; e a velhinha de preto que ao te ver passar disse: “ moça linda..”; bendita a chuva que tombou de súbito em teu caminho, e bendito o raio que fez saltar teu cavalo, e o mormaço que te fez inquieta e aborrecida, e a lua que te surpreendeu nos braços de um homem escuro entre as grandes árvores azuis. Bendito seja todo o teu passado, porque ele te fez como tu és e te trouxe até mim. Bendita sejas tu.”

Abril, 1964.


Depois que li esta belíssima crônica de Rubem Braga, pensei:
Bendito seja Rubem Braga que nos brindou com tão belo texto;
Benditos sejam nossos olhos e nossa capacidade de ler,
Bendito seja este espaço, onde partilho tanta beleza com você.

quarta-feira, 1 de junho de 2011

EROS E PSIQUÊ (POR FERNANDO PESSOA)

Conta a lenda que dormia
Uma princesa encantada
A quem só despertaria
Um infante que viria
De Além do muro da estrada.
..........
A princesa Adormecida,
Se espera,dormindo espera.
Sonha em morte a sua vida.
E orna-lhe a fronte esquecida,
Verde, uma grinalda de hera.
...........
Mas cada um cumpre o Destino-
Ela dormindo encantada,
Ele buscando-a sem tino
Pelo processo divino
Que faz existir a estrada.
..........
E, inda tonto do que houvera,
À cabeça em maresia,
Ergue a mão, e encontra a hera,
E vê que ele mesmo era,
A Princesa que dormia.