segunda-feira, 2 de março de 2009

A IDADE DA LOBA

Por Laura Ducco

Não se impressione. É tudo muito simples foi culpa do racionamento de energia. Na verdade o que aconteceu é que contaram a luz do seu bairro por hora, durante a madrugada. Seu rádio relógio desligou, então você perdeu a hora. Foi só isso. Viu como é simples ? Acordou meio tonta olhou para a porta do quarto. “Estranho, é diferente da de ontem ? Quando foi que troquei aquela bela porta branca por esta esquisita, estilo colonial, meio corroída pelo tempo ? Não lembro de ter passado em nenhum antiqüário recentemente ...” Observa uma placa, combinando com os tons escuros da porta. Esfrega os olhos e olha novamente. Continua lá. Resolve se aproximar para saber o que está escrito na placa. Idade da Loba. “O que diabo é isso ? Alguma brincadeira de mau gosto ?” ( Mas afinal, qual a novidade ? Todas as letras da frase são velhas conhecidas. Algumas delas estão inclusive no seu nome. ) Volta para a cama ... senta, pensando se vale a pena tentar abri-la. Resolvida, já começa a rumar. Pára. Volta para a cama ... senta novamente. “O que será que tem lá do outro lado ?” Pensa mais um pouco. Os afazeres acabam por decidir. “Não tem jeito. Preciso sair deste quarto e ir trabalhar.” O resto da casa, com a graça de Deus, não foi mexido. “Deve ser uma alucinação, melhor esquecer.” Depois de pronta vai trabalhar, tropeçando no mundo de sempre. Tudo parece exatamente igual. Tudo menos a porta, é claro. À noite o namorado de tantos anos resolve repentinamente que não quer compromissos. Tudo terminado. Cada um para seu lado. Cada um com sua vida. E daí ? Todos os dias centenas de casais começam ou se deixam. Nenhuma novidade. Assim como ele, outros virão. “Melhor acalentar o ego.” Sai e compra uma roupa nova. Aproveita e passa na loja de cosméticos. Muda o cabelo. Preenche o tempo com os velhos e bons amigos. O resto que se exploda. A liberdade tem suas belas vantagens, não é? ( Só que não vem com manual de instrução, para saber o que fazer com aquele maldito tempo ocioso entre Sexta-18.00 hs. e Segunda-6.30 hs.) Se arruma toda e olha para o espelho, esperando algum elogio. O maldito permanece calado, então resolve falar aos seu próprios botões “Como você está linda !” e sai para uma volta. Começo de verão é um suplício. Principalmente para uma loba. Sabem como é, as juntas, em processo de fossilização, já não agüentam muita caminhada. As pequenas garatujas azuis que enfeitam as pernas, muito menos. Pára e pede uma água. O estômago reclama, sentiu-se enganado. “Preciso fazer regime”, argumenta (em vão). O estômago retruca com um rosnado. “Que tal algo bem frugal ?” (O velho argumento, é sempre assim que tudo começa). Ao ouvir essa deliciosa palavra, sinônimo de churrasco, feijoada, lazanha e outras guloseimas, o interlocutor se aquieta e espera. Só para mostrar a todos que está realmente diferente, pede, na realidade uma salada. O estômago deu um salto, deixando claro seu posicionamento contrário, mas “não adianta, preciso emagrecer e pronto ! Uma saladinha está ótimo !” Enquanto rumina aquele estranho arranjo, observa o movimento das ruas. Os olhos (traidores) enxergam com mais vigor os casais, em particular os jovens. Aliás aqui cabe um comentário : você já reparou que os olhos são seletivos e só focam o que nos incomoda ? Faça uma experiência : quando estiver numa festa, o que estará mais evidente ? As mulheres mais bonitas; os homens envolventes que já são comprometidos; as calorias desejadas e proibidas ... ou seja, tudo aquilo que gostaríamos de ser ou ter. “Preciso sair com mais freqüência, afinal retornei à ativa. “Single, but looking for”. Trancada em casa ou cercada de amigos as chances tendem a zero. Preciso me expor ! Aliás, que tal dar uma observada no ambiente ? Há tantos solteirões por aqui.” De fato, bastou levantar os olhos da famosa “saladinha”, que se deparou com outro par (de olhos, é claro), em tons de azul, que a fitavam com interesse. A rodeá-los, centenas de milhares de sulcos bem marcados, denotando décadas e décadas mais experientes. Acima dos sulcos, alguns fios de cabelo posavam sobre uma pele reluzente e visível. Desceu os olhos e deparou-se com uma mão segurando um copo de Campari que lhe erguia um brinde meio trêmulo. “Deve ser irmão do Ramsés” e voltou para seus alfaces. Mas o almoço lhe reservava outras surpresas e a segunda surgiu do canto esquerdo do vasto salão. Esse ao menos tinha cabelos, branquinhos, branquinhos, de fazer inveja. É bem verdade que tremia mais, porém ninguém é perfeito. Quando só faltavam duas folhas de alface e um raminho de rúcula, entraram quatro ou cinco amigos, entre eles um moreno de fazer gosto. Sabe, daqueles que mexe com os hormônios. “Deu link”. O alvo conversava alegremente e seus gestos transbordavam em masculinidade. Falavam sobre o final de semana. E pelo visto foi animado “bem mais do que os meus”, com direito a cavalgada, passeios de jipe e assim por diante “do jeito que o diabo gosta”. Abandonou definitivamente os exemplares do reino vegetal à sua frente e focou, com todas suas forças, aquele belíssimo espécime humano. E quando se mexia ... Deus ! quando se mexia deixava evidente os músculos bem torneados de seus braços. E as pernas ? fortes, à mostra graças ao verão... e graças também ao verão, entrevia-se alguns pelos na gola pólo, pelos estes que jaziam tranqüilos sobre um tórax vigoroso, daqueles que dá um ótimo travesseiro. Até o estômago parou de se queixar da maldita saladinha. “Bem que podia cair uma varejeira dessas na minha sopa, não é ? Afinal a maturidade nos dá grandes vantagens, por exemplo... por exemplo...” De repente, assim, do nada, o ser desejado a olha e se levanta. Caminha em sua direção munido de todo charme irresistível daquelas pernas, braços e tórax - “eu não disse que tem vantagens ! Tá no bico !” – os passos eram definitivamente decididos em sua direção – “jamais pensei que seria tão fácil e tão rápido !” – está há apenas dois metros e abre um lindo e franco sorriso, do tipo lindo e franco que só a beleza e a franqueza da juventude sabem dar – “pára coração ! fica quieto aí ! dá quase prá ouvir você pulando feito doido !” E quando o sorriso chega perto, bem perto mesmo, faz uma leve reverência e diz –“Tia, a senhora pode me emprestar o isqueiro ?”

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